domingo, 11 de dezembro de 2011

DEMOCRACIA: UM PRATO SERVIDO FRIO (resenha do conto “Peru de Natal” de Mário de Andrade)

Victor Hugo Lins
Graduando do Curso de Direito (UFPB)

Como estamos em clima natalino, vamos estudar o conto “O peru do Natal” de Mário de Andrade.
Mario de Andrade apesar de ser classificado como escritor modernista, em suas ultimas produções verifica-se mais maduro em seu estilo. Pode-se aponta-lo como um escritor que já desenvolve uma estética artística dentro dos padrões conteporaneos. O conto “Peru de Natal”, esta inserido na obra “Contos Novos” que foi publicada postumamente no ano de 1947, período em que o Brasil e o mundo passavam por um momento de pós-guerra.
A literatura brasileira vinha desde a década de 1920 no movimento Modernista, que teve inicio com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Entretanto, embora haja divergência nas fases que compuseram o referido movimento pode-se afirmar que se dividiu em duas fases ou gerações principais: na primeira geração que foi do ano de 1922 a 1930, temos a fase heróica de grande experimentação estética – em síntese podemos dizer que dentro da heterogeneidade de tendências dessa fase, todas elas tinham como característica primordial combater o padrão estético-ideológico parnasiano que dava suporte a República Velha (é só verificar a autoria de Olavo Bilac no hino à Bandeira de 1906) ; enquanto que na segunda geração foi à fase mais amadurecida em relação a anterior, compreendida entre os anos de 1930 à 1945 (tendo assim o seu término junto ao final da Segunda Guerra Mundial) – a referida fase teve como características a revalorização das formas antigas clássicas junto às modernas, assim como o desenvolvimento de temáticas relacionadas ao cotidiano e ao regionalismo.
Abordando especificamente a obra; e, em específico o conto “Peru de Natal”. O seu enredo passa por volta da década de 1940, a história tem um contexto familiar de classe média alta, em que o narrador é um dos filhos de um pai extremamente autoritário falecido há poucos meses (precisamente cinco meses). Textualmente, fica explícito que existia uma relação extremamente conturbada entre esse filho (narrador) com o pai. O filho era visto como louco e rebelde, visto que se tratava de uma família “tradicional” burguesa tendo uma figura patriarcal forte e opressora que subjugava tanto os filhos e principalmente sua mãe.
Pelo momento histórico em que a obra foi publicada, 1947, o Brasil passava por um momento de transição política, a queda do Estado Novo de Getulio Vargas para a consolidação de uma nova Constituição (uma Nova República), conseqüentemente, o Pai desta família representa o próprio Vargas em seu Estado autoritário (denominado de Estado Novo) cujo término ocorreu em 1945 (mesmo ano do falecimento de Mário de Andrade – e ano provável em que escreveu o conto em análise – provavelmente um dos últimos contos a serem escritos). Os outros personagens que compõem o conto, provavelmente teria sido a resposta do escritor a uma crítica velada a velha República, tendo as seguintes representações: a Mãe pode ter sido uma forma velada do autor representar a Democracia, pois era ela a que mais sofria diante das más atitudes do pai; a tia simbolizando a República; a irmã mais nova – a nação ( isso pode ser percebido quando o autor refere-se as três mães); já os três irmãos, provavelmente foi a forma que Mário usou para se referir aos três Poderes da União (Executivo, Legislativo e judiciário); e o filho narrador louco e rebelde pode ser considerado como a classe dos artistas, haja vista que sempre foram inovadores e considerados pelo sistema como “loucos”.
No momento em que a mãe vai assistir a uma fita, na qual os familiares a proíbem por achar que tal ato feriria a memória do morto, a fita (ou filme) pode ser visualizada como uma novidade, as novas ideias, ou seja, o conhecimento do que é novo tenderia a levar as pessoas a andarem com as próprias pernas; estando livres em seus próprios pensamentos e discernimentos a respeito dos assuntos nacionais. Logicamente, que o pai não queria isso, haja vista que sua intenção era de ter todos sob seu absoluto controle. Em atenção aos elementos da ceia; o figo, a castanha, por exemplo, são produtos do exterior, pois, não são produzidos no Brasil, logo, trata-se de uma valorização que esse pai (Getúlio Vargas) sempre deu ao produto (ou ideias) do exterior em relação aos elementos da cultura nacional (a grande crítica que Mário de Andrade, provavelmente, fez a simpatia que Getúlio sentia pelo ultranacionalismo alemão e italiano). Nas referências feitas aos doces finos (bem-casado), bem como a relação da ilustração dos desbravadores Bandeirantes ao se referir a parentela mal educada que chegava para usurpar toda a ceia deixando-os a míngua, remete-se a figura dos exploradores e colonizadores portugueses.
Na hora da partilha da farofa – a gorda com os miúdos e a seca e douradinha com bastante manteiga - o autor lança cinco ilustrações, em que se pode considerar pela partilha das farofas, como a parte dos artistas, da nação e dos três poderes, e as próprias farofas podem representar o Congresso Nacional e o Senado.
Por fim, ao término de sua narrativa, Mario de Andrade adjetiva a figura do pai morto como “insuportavelmente obstruidora”, o autor utiliza do advérbio intensificador do adjetivo (obstruidora) para enfatizar a maneira que ele via Getulio Vargas (cognominado o “Pai dos Pobre” ou o “Pai da Nação”). No entanto, após sua morte (coincidentemente ocorrida em 24 de agosto de 1954 – cinco meses antes do Natal), Vargas passa a ser visto como um marco ou mito, conseqüentemente, passa a ser seguido, pelo modelo político populista que utilizou em grande parte de sua vida. E quando a república começa a dar seus primeiros passos com a consolidação da nova Constituição promulgada em 1946 restituindo o direito à greve e as manifestações populares (democracia), logo depois, em 1964, o fantasma de Getúlio ressurge através do Golpe Militar, que financiado veladamente pelos Estados Unidos, como forma de aniquilar a influência do sistema Socialista (defendido pela antiga URSS) na América Latina, durante a época da Guerra Fria. Infelizmente, continua aberta até hoje a chaga deixada por Vargas e será essa ferida populista e autoritária que ainda hoje continuará corrompendo a República, a Democracia e a Nação.